O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) prevê uma ampla série de comportamentos abusivos, podendo ser contratuais ou não contratuais. Tais condutas são vedadas por este diploma legal, por violarem princípios gerais da relação de consumo, como a boa-fé e harmonia, por exemplo.
De acordo com Flávio Tartuce, em seu Manual de direito do consumidor (2012), “deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer conduta ou ato em contradição com o próprio espirito da lei consumerista.”
Alguns comportamentos tidos como abusivos estão elencados no artigo 39 do referido CDC. Importante salientar que se trata de um rol meramente exemplificativo, dada a impossibilidade de exaustão legislativa, haja vista a dificuldade que o legislador teria em prever e normatizar todas as práticas abusivas existentes, em face das mutações que ocorrem de maneira corriqueira nas relações de consumo.
Por isso, o caput do artigo 39, utiliza-se da expressão “dentre outras práticas abusivas”, logo, será ilegal também qualquer outra prática que atente contra os valores fundamentais preservados no ordenamento jurídico, ainda que não enunciada neste dispositivo. Neste aspecto, o próprio CDC tachou como prática abusiva as condutas dos artigos 10, 18,§ 6º, 20, § 2º, 21 e 32.
Venda Casada – Prática abusiva
Mas do que se trata a venda casada? E porque ela é considerada como abusiva? Venda casada é conduta desleal do fornecedor de produtos e serviços que impõe ao consumidor a aquisição de produto ou serviço que ele não pretendia adquirir.
Esta prática, normalmente ocorre em duas situações: a) através da imposição conjunta de dois produtos ou serviços; b) imposição injustificada de limites quantitativos na aquisição de produtos ou serviços, conforme CDC, senão vejamos:
A venda casada ocorre quando um consumidor quer adquirir um produto ou serviço específico, mas o estabelecimento o induz ou condiciona a venda dele à contratação de outro produto ou serviço não desejado inicialmente, de uma forma forçada; ou quando passa a limitar o consumidor na quantidade de produtos ou serviços adquiridos.
Diante das explicações acima, é importante a citação de algumas condutas comuns do nosso dia a dia, para melhor exemplificar essa prática, que é totalmente ilegal e abusiva, mas por vezes passa despercebida pelos consumidores.
Exemplos de venda casada
1 – Consumação mínima em bares e restaurantes
O consumidor não pode ser obrigado a consumir quantia mínima de um produto para poder permanecer no local, pois isso configura prática arbitrária e ofende a liberdade do consumidor em escolher qual produto e qual a quantidade que ele deseja consumir.
Esta prática é utilizada, muitas vezes, até como fator de seleção da clientela e, claro, para aumentar os lucros das empresas.
2 – Entrada em cinema com alimentos vendidos exclusivamente pelo estabelecimento
É muito comum, na entrada de cinemas e teatros, a placa dizendo que não é permitido consumir alimentos ou produtos trazidos de outros locais. Ocorre que isso ofende o direito do consumidor, pois condiciona a entrada do cliente e o consumo de qualquer produto à compra feita no próprio local.
Essa prática beneficia estes estabelecimentos, que muitas vezes adotam preços totalmente absurdos. Quem nunca viu o chocolate no cinema custar R$8,00 ou até R$10,00? Acontece com a pipoca, o refrigerante, o salgadinho, a balinha, etc. Então, se o consumidor quiser comprar alimentos fora do estabelecimento e entrar na sessão ele jamais poderá ser impedido.
3 – Buffet vinculado ao aluguel de espaço de festas
Imagine que o consumidor quer alugar um espaço para seu casamento ou festa de família e é informado que junto com a locação, é obrigatório adquirir também os serviços do buffet da empresa, ou vice-versa. A maioria dos estabelecimentos atuam dessa maneira para evitar a concorrência e a vinculação de seus produtos e serviços a outras empresas.
Contudo, esta prática fere a liberdade do consumidor em escolher, sem quaisquer imposições, os fornecedores de produtos e serviços (alimentação, banda de música, atendentes, iluminação, decoração, filmagem e fotografia, segurança, limpeza e vários outros exemplos) que deseja contratar para seu evento. Portanto, tal prática não pode ser imposta, devendo o consumidor ter total liberdade em suas escolhas.
4 – Cartão de crédito com seguro
Normalmente, empresas de cartão crédito costumam embutir na fatura o preço de um seguro, muitas vezes chamado de “Seguro Proteção” ou “Seguro Premiado”, prometendo sorteios, garantias e etc. Muitos consumidores sequer solicitaram, mas ele está infiltrado ali e como geralmente os valores são pequenos (entre R$10,00 e R$20,00 por mês), passam despercebidos pelos clientes.
Se o consumidor possui o cartão de crédito, mas nunca solicitou tal seguro, a prática é abusiva e ele terá até a possibilidade de pedir, à empresa ou judicialmente, a restituição em dobro de tudo que pagou por esse tal seguro (como determina o parágrafo único do artigo 42 do próprio CDC).
5 – Concessionária de veículo com seguro próprio
O cliente escolhe o veículo e na hora de fechar negócio, é informado que as condições da operação só serão mantidas se ele contratar, também e imediatamente, o seguro fornecido pela própria empresa ou por alguma seguradora a ela vinculada.
Esse tipo de conduta também configura venda casada, pois induz o consumidor a aceitar condições não desejadas e que não foram essenciais para efetuar a escolha do veículo. Mas como se sente pressionado, acreditando que o dito seguro lhe trará melhores condições na negociação, ele acaba aceitando, mesmo sem querer, de verdade.
6 – Lanches infantis com brinquedos
As redes de lanchonete costumam comercializar produtos que tem como público-alvo as crianças, atrelando a venda do lanche infantil ao recebimento de um brinquedo que chama a atenção dos pequenos, porém, os Tribunais Superiores já emitiram decisões condenando tal prática, afirmando que a venda do lanche atrelado ao brinquedo fere o CDC, caracterizando mais uma situação de venda casada.
Muitas pessoas, jamais imaginariam que uma Ida ao McDonalds, por exemplo, poderia ocasionar uma situação de venda casada. Porém é o que acontece com o “McLanche Feliz”. Alguns Estados já desenvolveram leis que determinam a venda do brinquedo de forma separada nas lanchonetes, porém o embate ainda persiste nos Tribunais.
Venda Casada – é mais comum do que imaginamos
Como se vê, a prática ilegal da venda casada, é muito mais comum do que imaginamos, sendo completamente impossível esgotar as muitas situações em que isso ocorre, até porque cada dia aparecem novas situações desse tipo.
Por essa razão, mais do que nunca o consumidor deve ficar atento aos seus direitos, posto que o CDC existe justamente para tutelar a paridade entre direitos e deveres. Neste sentido, infere-se que o consumidor, de fato, é o membro mais frágil na nesta relação, e para que haja equilíbrio, o CDC cria normas protetivas, de modo a educar e fornecer instrumentos para que persista a igualdade e harmonia.
Com efeito, caso se verifique a prática abusiva, ter-se-á nulidade do ato praticado, permitindo-se ao consumidor lesado a reparação pelos danos sofridos.
Atenciosamente,
Luma Cabral