Desde janeiro de 2020, com a Covid-19 se espalhando a nível mundial, a preocupação dos brasileiros com relação à doença começou a aumentar e raros não são os momentos em que nos perguntamos sobre o seguro de vida x covid.
Neste ano, 2021, momento em que vivemos um colapso na saúde pública, com os casos se multiplicando no Brasil, o receio do vírus tem crescido e as pessoas têm buscado formas de se proteger e de resguardar os seus entes queridos.
Por isso que na seara seguro de vida x covid, é mais que natural o questionamento: o Seguro de Vida cobre o coronavírus?
É o que elucidaremos a seguir.
Cláusulas do Seguro de Vida
A pandemia do novo coronavírus vem fazendo surgir a cada dia maiores desafios para os profissionais do direito, chamados a buscar soluções para conflitos inéditos, os quais, em um cenário de angústias e persistente incerteza, impõem novos olhares sobre questões antes consolidadas na prática jurídica, como é o caso dessa questão relacionada ao seguro de vida e a morte por COVID-19.
Em termos gerais, as apólices excluem expressamente questões tidas como casos fortuitos e força maior, como enchentes, pandemias e desastres naturais. Mundialmente os seguros de vida não costumam cobrir pandemias como a do novo coronavírus.
Ocorre que, o seguro de vida são contratos relacionais, cativos e de longa duração, razão pela qual neles se identifica e espera um permanente e contínuo agravamento do risco segurado.
Portanto, não há dúvida de que é abusiva a cláusula inserida em contrato de seguro de vida que, ao limitar o risco do segurador, pretende afastar sua responsabilidade pelo pagamento da indenização quando o evento morte ocorrer em razão da COVID 19, durante a pandemia.
O desenfreado avanço da doença e o crescente número de óbitos tornam urgentes e necessários uma reflexão sobre a questão do seguro de vida x covid, e, principalmente, sobre a validade das cláusulas de exclusão utilizadas nesses contratos, as quais são comuns, padronizadas e há muito utilizadas por quase todas as seguradoras.
No afã de proteger o mercado, as empresas excluem do risco segurado “os eventos relacionados à ou ocorridos em consequência, direta ou indireta, de (…) epidemias e pandemias declaradas por órgão competente”, com consentimento do órgão regulador.
Apesar do controle da abusividade em contratos de consumo ser um tema comum nos repertórios de jurisprudência, ante o ineditismo da situação atual, nos deparamos com um completo silêncio das cortes sobre a validade desta cláusula.
Porém, observadores atentos já alertam para uma “nítida tendência de que, nos próximos meses, o assunto ganhe protagonismo no mercado e no Judiciário”.
A circunstância se completa com dois fatos aparentemente desarmônicos:
- noticia-se no mercado segurador um movimento liderado pela Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor) para que se ignore a cláusula de exclusão por pandemia para os seguros de vida;
- enquanto segue em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei destinado a proibir a “restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente de emergência de saúde pública”.
A controvérsia que se anuncia será grande.
Inclusive, cabe ressaltar um dado importante: a disseminação da Covid-19 no Brasil, que teve o primeiro caso da doença confirmado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro de 2020, fez com que houvesse um aumento significativo na procura pelo Seguro de Vida.
Em março do mesmo ano, foi observada uma elevação de 136% nas vendas do produto quando comparado ao mesmo mês em 2019. Ou seja, a importância de buscar proteção e tranquilidade nesse momento tem ficado cada vez mais evidente.
Vale a leitura sobre o assunto no site da Exame, clique aqui para ler.
Sobre a legislação existente
A legislação vigente permite o controle do contrato de consumo desde o momento anterior à contratação (adesão), quando cria uma série de deveres de informação para o fornecedor do serviço (CDC art. 31) e fulmina com a ineficácia as cláusulas que não puderem ser previamente conhecidas e compreendidas pelo consumidor (CDC art. 46).
Além disso, o Código impõe deveres formais ao contratado, tornando obrigatório o destaque das cláusulas restritivas de direitos do consumidor (CDC art. 54 §4º.), tais como as de exclusão de risco nos contratos de seguros. Descumprido este especial dever de informar, a disposição não vincula o consumidor, isto é, não pode ser a ele oposta.
Quando Identificada uma cláusula qualificada pela lei como abusiva, a consequência prevista é a mais grave, a nulidade de pleno direito, absoluta, declarável de ofício, insanável, invalidade que torna a disposição insuscetível de produzir qualquer efeito desde sua gênese.
Como se vê, não há qualquer dúvida de que é abusiva a cláusula inserida em contrato de seguro de vida que, ao limitar o risco do segurador, pretende afastar sua responsabilidade pelo pagamento da indenização quando o evento morte ocorrer em razão da COVID 19, durante a pandemia.
O agravamento do risco decorrente do descontrole e da dimensão global da doença, não pode ser imputado ao segurado, evidentemente, e a pandemia tampouco é a causa da morte, mas apenas sua ocasião.
De acordo com as previsões científicas, a pandemia do novo coronavírus não será a última, o que torna urgente a adoção de novos comportamentos, menos destrutivos e mais solidários. O seguro de vida projeta um desejo de segurança e proteção dos beneficiários do consumidor, que confia na máxima da boa fé, que rege esses contratos (CC art. 765).
Ainda que neste momento as seguradoras tenham deixado de lado a sua aplicação, certamente por razões relativas à compliance, para evitar o dano reputacional e aumentar a credibilidade no produto, cabe aos intérpretes do texto legal não permitir que o princípio jurídico seja apenas uma promessa vazia e concretizá-lo com a proibição da cláusula de limitação de risco pela pandemia e por fim ao duelo seguro de vida x covid.
Atenciosamente,
Luma Stheyssa Brito