A família multiparental
Conforme exposto no artigo anterior https://www.mafjuridico.com.br/o-direito-de-familia-e-a-pluralidade-dos-nucleos-familiares-atuais/, no Brasil são reconhecidos vários tipos de composição de família.
O modelo mais clássico desse grupo é formado por um pai, uma mãe e seus filhos, o que se entende ser uma família biológica.
Entretanto, com a evolução da sociedade novas famílias passaram a ocupar lugar no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a família monoparental, defendida pela Carta Magna;também a família por afinidade, que está amparada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, conforme artigo 1°, III, também da CRFB/88.
Com a formação dessas famílias, surgiram mudanças significativas na base familiar. O sistema familiar que vigorava alguns anos atrás era o pátrio poder, porém nos dias de hoje o afeto define melhor a instituição familiar já que a Constituição Federal avançou ao igualar todos perante a lei, bem como trouxe o princípio de igualdade dos filhos, além de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana.
A Família Multiparental ou Pluriparental
Com essas defesas constitucionais, se compôs também a família multiparental ou pluriparental, que na maioria das vezes é formada pela dissolução de uma união entre pai e mãe, onde, por exemplo, os filhos ficam sob a guarda da mãe que acaba se unindo com outro homem, podendo esse, assumir mais que o papel de padrasto, participando da criação de seus filhos e formando com eles laços afetivos, passando a deter responsabilidades, e obrigações, que lhe dão o direito se assim desejar, de requer na justiça o reconhecimento de paternidade socioafetiva.
Para que a paternidade socioafetiva seja aceita, só basta que seja provado à detenção de posse do estado de filho pelo pai por afinidade, fazendo assim com que a criança possa ser registrada com o nome de dois pais e uma mãe, ou até mesmo duas mães e um pai.
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, deve se atentar a três elementos chaves, o primeiro é o tractatus, quando a prole é tratada e criada como se filho fosse; o segundo é o nominatio, quando o filho se apresenta com o nome da família; o terceiro elemento é o reputatio, que se trata da reputação auferida pela população.
Nestes termos, sendo provada a posse do estado de filho, o juiz declara a paternidade/maternidade socioafetiva, tendo essa declaração judicial efeito extunc, ou seja, seu efeito retroage ao momento que iniciou o vínculo de afetividade.
Dessa mesma forma acontece no reconhecimento da multiparentalidade, tendo em vista que essas famílias são formadas também por vínculos afetivos. Sendo certo que na família multiparental, esses vínculos afetivos são formados com mais de duas pessoas no enfoque de filiação.
O grande objetivo da família multiparental é a proteção não só da criança/adolescente, mas também a proteção legal das pessoas que desenvolveram uma relação socioafetiva como se pai ou mãe fossem, mesmo que já soubessem da verdade real biológica.
Neste víeis, a família multiparental põe em destaque o vínculo amoroso entre as partes, ressaltando que o vínculo biológico independente da vontade de seus membros, por essa questão, alguns pais biológicos não possuem o vínculo da afetividade com seus filhos, ficando o direito inerte, pois não possui a capacidade de controlar o sentimento pessoal de cada ser humano.
Assim, o vínculo socioafetivo se sobressai por acontecer de forma natural, porque se o terceiro não desejar esse tipo de vínculo, só basta que não crie laços com o menor.
Vale salientar, que juntamente com a família multiparental, a criança/adolescente também ganha o parentesco socioafetivo, sendo considerado o parentesco em linha reta infinitamente e já os parentes colaterais são considerados até o 4° grau, da mesma forma que é reconhecido o parentesco biológico.
Em suma, os dois tipos de filiação (biológica e afetiva), são importantes, tendo vista que cada um ocupa um lugar na vida de sua prole, fazendo com que assim seja detentor de todas as responsabilidades pelo menor, tais como a responsabilidade alimentar ou obrigação sucessória, e até mesmo a responsabilidade de educar, dar carinho e amor.
A multiparentalidade nas famílias atuais
O direito à liberdade trazido pelo artigo 227, da Constituição Federal, oferece a sociedade novas formas de constituição de um lar, possibilitando que seja reconhecida a família multiparental.
Destaca- se que o lar é o principal formador de vínculos afetivos, fazendo assim, com que o padrasto ou a madrasta se tornem como se pais fossem dos filhos de seus cônjuges ou companheiros.
Essa fenomenal filiação socioafetiva, criou espaço através da convivência entre esses membros no mesmo domicílio onde acabam construindo laços.
Vale destacar que muitas das vezes mesmo existindo a filiação socioafetiva, pode a criança ainda possuir também a figura biológica presente em sua vida, nada impedindo que através dos fatos e costumes vivenciados em sua morada, ela crie sentimentos íntimos e pessoais de filho com seu padrasto ou madrasta, prevalecendo assim à concomitância das duas figuras paternas ou maternas.
Também existem outras formas de surgir a multiparentalidade, como na concepção geneticamente assistida, na qual a maioria das vezes o processo de reprodução conta com mais de duas pessoas, fazendo com que qualquer uma dessas crie vínculo com a criança que nasceu por sua interferência.
Diante desses casos de filiação multiparental surgiram discussões acerca dos direitos sucessórios desses filhos.
Nesse víeis de decisões ímpares, o Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 898.060, deu origem a Repercussão Geral de n°. 622, onde fixou a seguinte tese jurídica para aplicações a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios”.
O fundamento para o reconhecimento da multiparentalidade foi baseado em vários grandes princípios Constitucionais, como o mais importante desses é o da dignidade da pessoa humana, que deu ensejo para o princípio da igualdade de filhos, princípio da paternidade responsável e implicitamente para o direito a busca da felicidade.
Assim, por todo exposto, podemos observar que o reconhecimento jurídico da filiação multiparental foi um passo muito importante dado pela legislação brasileira, eis que o ordenamento jurídico acompanhou a evolução da sociedade.
Rosiane Augusta da Silva Marcelino – Advogada OAB/RJ 223.402