Em razão da situação crítica de isolamento social face à pandemia que atinge o mundo, recorrer a compras pela internet tem se tornado uma alternativa cada vez mais comum e crescente entre os consumidores. Porém, muitos são os desafios enfrentados pelos usuários e o principal deles tem sido a demora no recebimento de produtos adquiridos pela internet, tornando-se uma realidade que se agravou no país recentemente.
As vendas pela internet dispararam neste ano em meio ao covid-19 e as reclamações sobre o assunto também. Comprar pela internet é fácil, mas receber o produto é difícil. A demora ou a não entrega do produto ainda é o principal problema enfrentado por consumidores do comércio eletrônico.
Inclusive, o Procon-RJ abriu uma investigação preliminar contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios) por diversos atrasos e problemas nas encomendas feitas entre 27 de fevereiro e 15 de maio no Rio de Janeiro. Entre as 305 ocorrências durante o período, estão reclamações sobre produtos não entregues, extraviados ou avariados, cobrança indevida e qualidade de atendimento.
O exemplo dos Correios é apenas um, entre as diversas empresas que trabalham na logística de entregas de produtos comprados de maneira online. As demais empresas alegam dificuldades por causa da pandemia para justificar os atrasos e, na maioria das vezes, remarcam para meses depois. Uma prática comum, tem sido negarem o pedido de cancelamento, justificando que o produto está na transportadora. Por essa razão, consumidores ficam meses sem o produto e sem o dinheiro de volta.
Contudo, como é sabido no mercado de consumo, em toda compra o fornecedor deve informar o prazo de entrega na oferta ou publicidade do produto, que deverá ser cumprido, sob pena de violação contratual e do Código de Defesa do Consumidor.
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não estipula um prazo máximo para o produto ser entregue, contudo estabelece o direito à informação. Antes da conclusão da compra, a loja on-line é obrigada a informar a previsão de entrega. O site deve fixar data para a entrega do produto e, no estado de São Paulo por exemplo, o consumidor tem o direito de escolher inclusive o turno que irá receber sua encomenda, de acordo com o Procon-SP.
O ponto chave dessa questão é que o atraso na entrega de produto caracteriza descumprimento de oferta por parte do fornecedor, de acordo com os termos do artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse tipo de situação, o consumidor terá três opções: exigir o cumprimento forçado da entrega, aceitar outro produto equivalente ou desistir da compra e ser restituído integralmente do valor pago, acrescido de correção monetária, incluindo o frete, podendo pleitear eventual indenização pelos danos sofridos decorrentes da demora.
Imperioso ressaltar, que eventuais problemas de logística causados atualmente pela Covid-19 podem ser considerados na análise do caso concreto, sendo necessário na hipótese de compra durante a pandemia que a empresa fornecedora — ciente dos problemas existentes — informe e seja muito clara quanto ao prazo de entrega ao consumidor no momento da compra, não se podendo justificar o atraso pura e simplesmente pela pandemia instalada.
Nas situações de atraso, o recomendado é que o consumidor mantenha diálogo com o fornecedor, preferencialmente por escrito, para que as conversas e os comprovantes sejam guardados (fazendo provas), caso seja necessário acionar o Poder Judiciário.
Além disso, durante as tratativas, o consumidor pode conceder um prazo razoável para que o fornecedor resolva o problema, a mais do que já foi combinado no momento da compra, com o prevalecimento da transparência e boa-fé contratual entre as partes, sendo totalmente válida a tentativa de solução do caso na via extrajudicial, ao menos inicialmente.
Nesse sentido, cabe esclarecer que o atraso jamais pode se justificar pelo advento da Covid-19 se a empresa já se encontrava em mora no cumprimento do contrato. Uma vez caracterizado o atraso na entrega do produto de acordo com a previsão contratual, a superveniência do caos instalado no país pela doença não servirá para exonerar a responsabilidade do fornecedor, podendo-se invocar, inclusive, o artigo 399 do Código Civil, que assim diz, em linhas gerais, que o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, mesmo que essa impossibilidade resulte do fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso, ressalvando se comprovar que não teve culpa, por exemplo.
Em contrapartida, esgotadas todas as tentativas de solução do caso na via extrajudicial, poderá o consumidor recorrer ao Judiciário para melhor salvaguarda dos seus direitos, sendo inúmeras as ações sobre a matéria nos juizados, número esse que tendem a crescer diante da pandemia e deve ser analisado com cuidado a cada caso.
O fato é que não pode o consumidor aguardar ad eternum o produto por ele adquirido através de compra pela internet e conviver longamente com o descaso do fornecedor que responde, sim, pela transportadora contratada para entrega da mercadoria, partir do momento que terceiriza o serviço para conclusão do contrato.
Diante destas considerações, observada e caracterizada a falha na prestação dos serviços por parte da empresa, por força dos artigos 12 e 18 do CDC, a obrigação de indenizar pelo dano moral pode surgir de forma incontestável, não se podendo considerar um aborrecimento ou mero transtorno suportável, decorrente de imprevistos do dia a dia, mas, sim, inegável ofensa e abalo à esfera intima do consumidor, notadamente quando se considera a natureza do produto envolvido.
Inclusive, cabe utilizar nestas situações, a Teoria do Desvio Produtivo, que foi recentemente introduzida em nossa Doutrina e Jurisprudência, de autoria do advogado Marcos Dessaune. A tese, que vem sendo utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhece danos morais pelo tempo que o cliente desperdiça para solucionar problemas gerados por maus fornecedores, já tendo sido aplicada em muitos casos concretos, como se vê no processo de nº 0000899-88.2017.8.19.0004:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDOS CUMULADOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DE CANCELAMENTO DE DÉBITO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TOI. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. Cobrança baseada em Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI), em virtude de suposta irregularidade no medidor. Precedente decisão, que inverteu o ônus da prova, e contra a qual não se insurgiu a concessionária ré, ora apelante. Preclusão. Ré, que peticionou no sentido de não ter mais provas por produzir. Aplicação do inciso II, do art. 373, do Código de Processo Civil, de 2015. Caracterizada a falha na prestação do serviço. Ilegalidade da aludida cobrança. Aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, segundo a qual o fato de o consumidor ser exposto à perda de tempo na tentativa de solucionar amigavelmente um problema causado pelo fornecedor de serviço, e apenas posteriormente descobrir que só obterá uma solução pela via judicial, consiste em lesão extrapatrimonial. Manutenção da verba compensatória, segundo os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, consoante a súmula nº 343, deste TJRJ. Precedentes jurisprudenciais. Fixação dos honorários recursais. Inteligência do § 11, do art. 85, do CPC. Recurso a que se nega provimento. APELAÇÃO 0000899-88.2017.8.19.0004.
CONCLUSÃO
Uma ação bem elaborada e provas robustas têm sido suficientes para obter êxito nos tribunais do país, sendo válida e de extrema importância a tentativa ao menos de reparar os danos sofridos pelos consumidores que se frustram no recebimento do produto, apesar do pagamento regular da compra.
Por fim, com a finalidade não só de ajudar o consumidor, mas de fornecer essa fonte de auxílio, se esclarece que toda denúncia respeito desse assunto pode ser feita no PROCON de cada estado. A partir da reclamação, a entidade de defesa do consumidor envia uma correspondência para a empresa, que tem até dez dias para demonstrar que realizou a entrega.
Além disso, o consumidor, que comprar pela internet, também pode fazer sua reclamação no site reclame aqui (https://www.reclameaqui.com.br/). Reclame Aqui é um site brasileiro de reclamações contra empresas sobre atendimento, compra, venda, produtos e serviços. Sob o controle da holding Óbvio Brasil, o site oferece serviços gratuitos, tanto para os consumidores postarem suas reclamações quanto para as empresas responderem a elas, o que pode inclusive servir de meio de prova judicial, caso o imbróglio não seja acertado administrativamente.
Luma Cabral- Advogada Consumerista